16.5.06

Quando Tudo Parecia Estar Bem


“A mídia eletrônica impõe uma cultua do olhar. Mas poucos desconfiam que o olho
dos meios de comunicação pertencem a um narciso às avessas: precisam de formas
exteriores para ser aceito.”

Wellington Pereira em: O Beijo da Noiva Mecânica.Ensaios Sobre Mídia e Cotidiano






Cássia era uma atriz. Sua fama chegou rápido como uma tempestade que nos pega no meio do caminho. Ela era jovem bonita e talentosa.

Logo cedo a mãe percebeu as habilidades da filha que ficava em frente à televisão imitando tudo que via fazendo caras e bocas. Não demorou muito e a levou para um teste em um comercial na TV local da cidade. Foi um sucesso! Todos – produtores e público – ficaram encantados com o carisma de Cássia que, ainda criança, reunia em si todas as características de uma pessoa de grande talento. E esse foi um entre vários outros contratos que surgiram.

Cássia logo cedo se viu obrigada a abandonar o seu mundo de fantasias onde as principais personagens eram suas bonecas para fazer parte de um novo mundo, também fantasioso, onde a principal personagem era ela. Cumpria uma agenda cheia, logo após as aulas, de gravações de comerciais, desfiles infantis de moda, entrevistas, sessões de fotos etc. Além disso, fazia aulas de teatro e dessa forma não tardou muito a aparecer convites para novelas. Sua vida era um sucesso em tudo que fazia no meio artístico. Passou parte da infância e adolescência entre câmeras de TV’s e flashes fotográficos. Já na vida adulta, com seus vinte e poucos anos, estampava todas as capas de revistas que repousavam nas bancas. Sua rotina de trabalho só fazia aumentar: fotos, desfiles, novelas, comerciais...

Cássia tinha uma vida que muitas meninas de sua idade fariam qualquer coisa para ter. Mas é bem verdade que no seu caso as coisas foram acontecendo, acontecendo, acontecendo... É bem verdade também que sua mãe ia criando no imaginário da criança um mundo maravilhoso por trás da telinha, flashes e desfiles. É claro, sempre de olho no que isso tudo poderia render para seu bolso. Dessa forma parecia que o mundo girava ao redor da mais recente celebridade. Foi notícia em tudo que era revista e jornal. Paparazes invadiam sua vida particular sem a menor ética. Distorciam informações, publicavam fotos de momentos pessoais, inventavam namorados, amores e amantes. O seu rosto virou referência de beleza feminina, sua vida se tornou assunto. Só saía nas ruas se estivesse disfarçada e por onde olhasse via seu rosto. Fosse num outdoor, na capa de revista, num jornal ou até mesmo nos comercias das TV’s ligadas de lojas de eletrodomésticos, seu rosto aparecia perfeitamente maquiado escondendo até mesmo as manchas de algumas espinhas que marcaram seu rosto e sua recente adolescência.

Por alguns segundos que pareciam minutos, horas, anos... Cássia (numas de suas investidas ao mundo exterior) permaneceu ali parada em frente à parede de TV’s ligadas num mesmo canal que exibiam seu rosto sorridente influenciando os telespectadores com a sugestiva frase: “eu recomendo” no fim do comercial. Naquele instante, um vendedor que a percebeu ali paralisada perguntou se estava bem e com a recente imagem do comercial em sua cabeça percebeu quem era ela. E como se tomado por um acesso de euforia e adrenalina, começou a gritar na rua chamando a atenção de todos dizendo que ela era Cássia e que estava disfarçada. Os gritos chamaram a atenção de todos que por ali passavam. Transeuntes que iam ou vinham do trabalho, mulheres, homens, crianças, pedreiros, advogados, empregadas domésticas, professores, vendedores, ambulantes, garis, médicos, engenheiros... Todos que não faziam parte do “mundo maravilhoso” da mídia avançaram para vê-la de perto, pegar um autografo, tocar sua pele, saber se ela era de verdade, como fez pra ficar bonita, qual era a mágica... De um instante pra outro ela se viu cercada de pessoas que nunca viu em sua vida, mas que estavam cansadas de vê-la na TV. Cada vez mais essas pessoas avançavam pra cima dela, ela se viu desesperada e sem saída e o povo tomado por um descontrole incomum começou a tocá-la, a arrancar partes de sua roupa, puxar os fios de seu cabelo. Ela começou a gritar desesperada e caiu no chão desfalecida. A massa humana avançou descontrolada pra cima dela, todos queriam um pedaço, queriam vê-la, queriam tê-la, queriam ser como ela.

No outro dia a morte de Cássia era notícia em todos os jornais, revistas e noticiários de rádios e TV’s. Dias depois ninguém lembrava mais do ocorrido. Não sei se por coincidência ou não, mas a mídia já tinha elegido a sua mais “nova celebridade”. E cássia, agora, não passava apenas de uma lembrança distante que se foi muito rápido. Assim como uma tempestade que nos pega no meio do caminho.