31.7.08

A carta


“Quando faltamos a nós mesmo, tudo nos falta”.
Os sofrimentos do jovem Werther.
(Goethe)


Pensei bastante sobre o meu ato e confesso que desde que me veio à cabeça tal idéia não consegui encontrar melhor desfecho para minha situação. Portanto, quero que fique claro para todos que este não foi um ato inconseqüente ou que um pouco mais de paciência e tempo poderia sanar meu atual estado.

Dizem que o tempo é o melhor remédio para qualquer mal. Balela! Pura besteira! No meu caso, o tempo só agravaria mais o que sinto. Ultimamente não conseguia nem ao menos olhar para o relógio sem que isso fosse para mim uma tortura das mais cruéis. Agora entendo todos aqueles que partiram. Talvez se sentissem da mesma forma que me sinto agora e se é assim, não tenho mais dúvidas do que me espera logo mais. Alguém apressado poderia até mesmo dizer que esta foi uma decisão muito difícil de ser tomada. Pelo contrário, difícil foi ficar aqui neste mundo procurando um motivo para estar entre vocês, meus familiares, meus amigos e demais conhecidos sem algo que me desse prazer para isso. Não falo isso por vocês, mas por mim mesmo. A verdade é que nem mesmo o sorriso da minha sobrinha que acabou de vir ao mundo conseguia me fazer menos infeliz. E vejam só vocês como é a vida, há sempre aqueles que chegam para os que partem! E para os que partem o que é que há? Comecei a pensar nesta situação há pouco. Mas nem mesmo isso conseguiu me fazer mudar de idéia. Não estou preocupado com a caminhada que irei fazer, o que me angustia é o estar aqui.

Espero que vocês não entendam o meu ato como covardia, medo, desespero ou qualquer coisa do tipo. Quero sim que o encarem como um ato de coragem, de decisão e afirmação. Apenas uma escolha. Por algum tempo me angustiou a reação que isso tudo poderia causar entre vocês, então procurei me ocupar com outros pensamentos e outros afazeres. Daí tentei me apegar as coisas materiais que outrora me davam prazer e só então percebi o vazio que elas trazem. Vejam só como são as coisas, pensar sobre isso me fez tentar esboçar involuntariamente um sorriso irônico e nem mesmo minha pequena sobrinha com toda a sua inocência conseguiu tal proeza. Percebi então que o problema não era material, mas sim espiritual.

Já não faço mais parte deste mundo, já não sinto mais graça das piadas da vó Eugenia que depois de velha perdeu o pudor com os palavrões. Já não vejo mais as pessoas que passam por mim e nem mesmo me comovi com o nascimento da filha de Chico, meu melhor amigo. Assim como também não me comovi com o aborto espontâneo pelo qual passou a vizinha recentemente. Pra mim, certo estava ele: partiu antes mesmo de chegar.

Ficar aqui entre vocês na situação em que me encontro seria doloroso tanto para mim quanto para aqueles que gostam de mim. Por isso devo partir. Quero que chorem tudo que precisa ser chorado até a última lágrima. Depois, quando estas secarem, aí sim vocês começarão a entender o porquê do meu ato. Não quero rezas e nem pedidos de perdão para mim. Perdão para que? Será que não sou dono da minha própria vida? Será que não sei o que é melhor para mim? Se não fosse absurdo meu pedido gostaria que, ao invés de lágrimas, sorrisos; ao invés de rezas, festejos; ao invés de perdão, aplausos pela coragem da minha decisão.

“A natureza humana tem seus limites; pode suportar até certo ponto a alegria, a mágoa, a dor, mas passando deste ponto ela sucumbe. A questão não é, pois, saber se um homem é fraco ou forte, mas se pode suportar o peso dos seus sofrimentos, quer morais, quer físicos. Eu acho tão espantoso que se chame de covarde ou de desgraçado àquele que se priva da vida, como acharia impertinente tachar de covarde ao que sucumbe a uma febre maligna”[1].

A meu pai, agradeço ao esperma premiado que entre milhares conseguiu achar o caminho das pedras. A minha mãe, agradeço a paciência dos nove meses e todo carinho que me dedicou até hoje. A meus irmãos, peço que confortem nossos pais e cuidem bem de seus filhos. A meus amigos e colegas agradeço todos os momentos de companheirismo e cumplicidade. A todos deixo um abraço forte e levo comigo, seja lá para onde quer que eu vá agora, a lembrança de cada um de vocês.
Adeus.

[1] Os sofrimentos do jovem Werther. (Goethe)