28.12.09

Mapa do corpo

Seu corpo é minha casa. E vou passeando por esses caminhos enquanto tento chegar até você e entrar em você.
Da última vez que me perdi, achei que não fosse me encontrar.
Nem o sol, nem a lua e nem o fogo me ajudam quando minha. Apenas os dedos, o cheiro, o som e o calor.
No mapa que trago comigo, alguns poucos rabiscos das ultimas trilhas percorridas. Logo mais à frente, um continente se estende. Mata virgem.

Mas já aprendi que quando choras: tempestade.
Quando te excitas: calor.
Quando sorriso: felicidade.
Quando menstruas: fertilidade.

Quando dentro de você eu confortavelmente me aninho e sinto que tudo muda.

13.10.09

Remoto

A sua imagem ficou na minha cabeça
como o cheiro de seus cabelos
ficou no meu nariz.
Até hoje te assisto e já não sei mais
aonde está o controle que te desliga,
deve está em algum lugar remoto.

4.5.09

Resumindo

Marcha da maconha

E a marcha da maconha foi proibida em João Pessoa. O vereador Geraldo Amorim (PDT), um dos maiores interessados na proibição da marcha, este ano, conseguiu antecipadamente garantir a não saída dos defensores do uso da “planta mágica”. Assim como no ano anterior, a mídia local (através de seus apresentadores mais exaltados e editorias de jornais) apoiou mais uma vez não a marcha, claro, mas a sua proibição.

Estratégia: associar a marcha, uma manifestação vinda da sociedade civil e garantida pela Constituição Federal, ao aumento de usuários de drogas em João Pessoa. Pelo visto a tática funcionou... Por outro lado, na votação da proposta de aumento salarial de 10 % dos servidores municipais, o vereador Geraldo Amorim se absteve do voto. Há quem diga que o vereador deveria se preocupar menos com uma “minoria desesperada”, como já disseram, e empenhar-se mais com o bem-estar da maioria da população.

Trânsito

A redução do IPI dos automóveis fez efeito e os mais atentos já podem sentir a mudança, podem até mesmo vê-la pelas ruas. Explico. A pacata João Pessoa, cidade em que uns tempos atrás era possível andar num trânsito tranqüilo (pelo menos para quem tem carro, claro), hoje é quase impossível sair de casa (de carro) sem se estressar. O aumento de veículos nas ruas da capital é um fato comprovado pelos números. A frota de carro que circula em João Pessoa atualmente, segundo dados oficiais, é de 190 mil. Em 2008, a quantidade de carros na rua da capital aumentou 12% e de moto 27%. Segundo dados da STTrans, só na avenida principal dos Bancários, das 6 às 8h, passam diariamente 14,7 mil veículos.

O pior de tudo não é isso! Pois os que pensam que quem não tem carro não se estressam com esta situação, estes estão redondamente enganados. Quem não tem carro vai de ônibus e o estresse é proporcional ao tamanho do veículo que você usa para ir ao trabalho. A única vantagem (para quem vai de ônibus) é poder dar a velha desculpa para o patrão: “... é que o ônibus atrasou e teve um engarrafamento”.

Novidade boa

O SBT desenterrou das profundezas dos arquivos da extinta TV Manchete a novela Dona Beija. Novela de enredo permeado de cenas sensuais, fato este que fazia com que muitos pais mandassem seus filhos dormirem mais cedo (eu que o diga!), Dona Beija marca uma fase boa da telenovela brasileira em que as novelas não se resumiam ao velho clichê do mocinho e do bandido, tão explorado hoje.

Mas a novidade boa não é nem tanto a novela, mas a sua trilha sonora, mais especificamente a música Coito das Araras da cantora paraibana Cátia de França. Música gravada e regravada por diversos interpretes, Coito das Araras marca o auge da carreira da cantora que nos presenteou com pérolas como Vinte palavras girando ao redor do sol, Djaniras e outras músicas. Vale a pena ver e ouvir.

6.4.09

Amor novo*

Cheira a amor novo

Cheira a planta molhada

Cheiro a vento batendo na cara

Cheira a noite

Cheira a lua

Cheira a primeira vez

Cheira a sorriso de criança

Cheira a amor novo.



* Inspirado em um jovem casal de amigos

17.3.09

Manual de redação e estilo

O jornalista Victor Victorio, experiente profissional da área das letras, há mais de trinta anos empunha uma caneta hidrográfica preta e, armado de sólidos conhecimentos de Português (além de muita paciência) começa a leitura da edição do dia do jornal no qual trabalha. A esse tarimbado profissional compete localizar os erros e impropriedades que passaram ao largo dos mecanismos de controle instituídos para evitá-los.

Victor Victorio, não satisfeito com o que lia cotidianamente, elaborou o seu Manual de Redação e Estilo. Na aula de hoje, ele nos trás um exemplo ilustrativo não para mostrar como evitar possíveis erros de Português, mas, para apontar algumas situações típicas do ofício que requer do jovem jornalista, digamos, uma certa desenvoltura.

Aula nº 1.

Lousteau: Este é um exemplar do livro de Nathan, que Dauriat acabou de me dar; a segunda edição sai amanhã. Releia a obra e escreva um artigo que acabe com ela.
Lucien: Mas o que se pode dizer contra esse livro? Ele é bom!
Lousteau: Ora, bolas, meu caro, aprenda o seu ofício. Mesmo que o livro seja uma obra-prima, com uma penada você pode transformá-lo numa tremenda bobagem, numa obra perigosa e nociva.
Lucien: Mas como?
Lousteau: Transformando as belezas em defeitos.
Lucien: Eu sou incapaz dessa proeza.
Lousteau: Meu caro, jornalista é acrobata; você precisa se acostumar aos incômodos da posição. Olhe só como eu sou bonzinho! Vou dizer qual é o modo de agir em casos semelhantes. Atenção, menino! Você começa dizendo que a obra é boa, pode até se divertir dizendo o que de fato pensa. O público pensará: “Esse crítico não é invejoso, sem dúvida vai ser imparcial”. A partir daí o público vai achar que sua crítica é conscienciosa. Depois de conquistar a estima do leitor, você diz que lamenta, mas precisa condenar o sistema para o qual a literatura francesa será levada por livros como esse. [...]

Prossegue o personagem ensinando Lucien como se derruba uma obra ou alguém.

Trecho da obra Ilusões perdidas (1835-1843) de Balzac. O livro narra a saga de Lucien de Rubempré, jovem poeta francês que impedido de viver de sua arte se tornou jornalista em Paris. Este livro trata da perda da inocência.

Brasil, dois mil e nove. Imagine agora os meios de comunicações de sua cidade. Visualize os “personagens principais” desses meios. Parece que as coisas não mudaram muito nos últimos dois séculos.

13.3.09

Fora do ar

O sistema está fora do ar! Ultimamente tenho ouvido esta frase com certa freqüência e isso tem me deixado preocupado em relação ao nosso futuro. Me refiro ao meu futuro, ao seu (caro leitor), ao futuro da humanidade...

Você já percebeu que na hora em que você mais precisa o tal “sistema” está sempre fora do ar? Já pensou um dia você está numa situação de emergência e ter que ligar para a polícia ou para os bombeiros e ouvir aquela voz dizendo “tente mais tarde, o sistema está fora do ar”? É dessas coisas que estou falando, esse tal “sistema” vem tomando conta de nossas vidas de uma forma que chega a assustar. Daqui a algum tempo estaremos completamente dependentes dele, quiçá vivendo dentro dele, assim como no filme Matrix. Você duvida? Façam suas apostas!

28.2.09

Má notícia

– E voltamos já com más notícias! – Falou o apresentador do telejornal recolhendo os papéis espalhados por cima de sua mesa. Fiquei um tempo pensando se tinha escutado bem ou se ele tinha tropeçado na sua própria língua.

Escutei com certo espanto aquele almofadinha engravatado que vomitava diariamente as mesmas baboseiras e desgraças da vida alheia. A única diferença é que as desgraças que abrem o noticiário só mudam de lugar e acontecem com pessoas diferentes, de resto é todo dia a mesma coisa: morte, brigas, corrupção... Não sei se vocês já perceberam, mas a maioria dos noticiários começam sempre com as desgraças e quando acaba a reportagem, em seguida vem outra nada a ver com a anterior. E assim vamos esquecendo os infortúnios da vida (principalmente os alheios) como se estes não tivessem acontecidos. Então dei uma zapeada nos canais e desliguei a TV. Fui dar uma volta pela cidade e respirar ar puro. Era noite, já passava das 20h00. Tranqüilidade. Não muito longe de minha casa ficava meu escritório de advocacia. Fui andando até lá, só pra passar de frente, não tinha mesmo o que fazer.

Antes mesmo de dobrar a esquina sinto um cheiro de fumaça no ar. Ao virar à esquerda vejo meu escritório ardendo em chamas iluminando a cidade. O fogo parecia procurar o céu e os papéis queimados dançavam no ar ao sabor do vento. Não consegui nem mesmo me desesperar. Um silêncio se abateu sobre mim e nos meus olhos brilhavam aquelas chamas. Nenhuma reação, nenhuma lágrima, nenhum gesto... nada. Dobrei a esquina e fiz o mesmo caminho de volta pra casa. Sentei no sofá, peguei o controle remoto que estava ao lado e liguei a televisão.

Dizem que a TV tem um poder anestésico que provoca uma certa apatia, um desinteresse, uma impassibilidade e era justamente isso que eu queria naquele momento: esquecer por uma longa sucessão de segundos, minutos, horas... tudo aquilo até o outro dia. Mas eis que Deus ou sei lá quem ou o quê, na sua mais profunda perversidade, resolve me maltratar metendo o dedo na minha ferida. Ao ligar a TV aquele almofadinha engravatado estava lá de volta. A cara asséptica, paletó e gravata e com a mais profunda frieza anunciava em seu programazinho a minha desgraça para milhões de telespectadores apáticos: – escritório de advocacia pega fogo no centro da cidade.

Não, ele não tinha tropeçado em sua língua. Ele cumpriu sua promessa. Esta era realmente uma má notícia!

9.2.09

Aquela música

Foi com entusiasmo que ele mostrou pela primeira vez a sua música favorita para ela. Ligou o aparelhzinho e colocou o fone de ouvido respeitando cada um dos lados: o Right, no ouvido direito e o Left, no ouvido esquerdo. Deu o play e enquanto a música tocava observava atentamente a sua expressão.

Quanta indiferença! Escutou, fez um comentário qualquer e foi embora. Isso lhe lembrou imediatamente o poema de Baudelaire “Os Olhos dos Pobres” (Spleen de Paris). Nem sempre as pessoas estão na mesma freqüência de pensamento e idéias.

Pegou seu player e foi escutar a música sozinho pensando naquilo tudo. Não havia nenhum problema com a canção, pensou solitário com seus botões. A ocasião era a mais apropriada possível e a música caia perfeitamente naquele instante. E aí? O que será que teria acontecido?

Depois de um tempo chegou a uma conclusão: às vezes, o melhor a se fazer é não fazer nada, pois nada há para se fazer.

8.1.09

Começando o ano

Olá pessoal! Esta é a primeira vez que escrevo este ano, ainda estranhando o teclado do computador; como se estivesse desaprendido a ler e sentisse dificuldades ao tentar soletrar algumas palavras... Como se isto fosse possível... Não vou justificar a minha ausência estes dias (ou serão semanas, meses?). Falta de tempo? Falaremos sobre isso mais adiante.

Mas, a verdade é que estas são as primeiras palavras que escrevo em dois mil e nove e isto não deveria ser algo estranho para mim, afinal, apenas passamos de um ano para outro. Tudo certo não fosse essa nova correção ortográfica dos países de língua portuguesa. Daí não sei bem se estou escrevendo certo ou errado. Mas, como temos alguns anos para nos adaptarmos, isto ainda não me preocupa de fato. Me importa mesmo é me fazer entender através do que escrevo e proporcionar-lhes uma leitura tranqüila, mesmo que o computador insista em colocar o trema nas palavras, como vocês mesmo podem observar. E como eu não pretendo brigar com o computador, deixo ele lá, quase imperceptível como sempre foi.


Outra coisa:

Lá em cima falei sobre o tempo (ou a falta dele). Fiquei pensando sobre isso esses dias. Não pelo fato de ter passado alguns dias, semanas, messes... sem ter postado nada aqui no blog por falta de tempo, como ficou sugerido no início do texto. Não é isso.

Esses dias fiquei refletindo sobre esse mundo em que vivemos e a velocidade das coisas, o fato de não termos tempo para nada... É interessante essa paranóia moderna, estamos sempre correndo, correndo... mas para onde? Me lembrei agora de uma poesia que fiz chamada “parem os relógios!” (já postada aqui) que começava assim: Pra quê precisamos marcar a hora de nossa morte? Marquemos então a hora de nossas vidas: parem os relógios!...

É Desta paranóia de que falo. Não temos tempo (ou achamos que não temos) para fazermos até mesmo as coisas que mais gostamos e quando “arrumamos” um tempo este é bem curto.

Isso tudo me veio da seguinte forma: da minha turma de faculdade tenho contato, digamos, mais constante apenas com alguns poucos amigos, tão poucos que dá até pra contar na mão direita. Mas são pessoas e amizades que sei que são pro resto da vida, diferente daqueles que ficaram para trás. Entre esses poucos, tem um que mora na mesma cidade que eu, em outro bairro, mas que levaríamos alguns minutos para nos encontrarmos e pormos o assunto em dia, como se diz por aí. Acontece que por conta dessa paranóia da qual estamos falando (da falta de tempo), ficamos sempre adiando um encontro e tentando remediar a falta de um bom papo face to face (cara a cara) através de tecnologias como o telefone, o computador...

Foi assim que fiquei pensando alguns dias atrás com meus botões: “preciso ver fulano pra conversarmos... ele já tem até um filho de cinco anos de idade e ainda nem o conheço!”. Isso tudo pode parecer besteira, mas este é apenas um exemplo, entre tantos outros, de como vamos adiando as coisas que gostamos e até mesmo precisamos fazer por falta de tempo.

Daí fiquei pensando: pra quê correr tanto se o que nos espera mais na frente é a morte! Se só temos esta vida, porque não vivê-la plenamente? Por que não aproveitar nosso tempo pra fazer coisas que gostamos e trabalhar de vez em quando pra poder fazer essas coisas? Será que ao chegarmos na vida adulta a finalidade de nossas vidas é apenas trabalho, trabalho e trabalho? A tirania a qual estamos submetidos (com o nosso consentimento, vale dizer) é incrível: trabalhar onze meses e ter apenas um de férias!


Uma entrevista:


Poderia terminar esse texto por aqui, mas gostaria de dividir com vocês, estimados leitores, as impressões que tive de uma leitura que fiz de uma entrevista com a filósofa Olgária Matos na revista Caros Amigos especial que trata sobre o pós-humano (nº 36 de novembro de 2007). Nesta entrevista, a filósofa fala basicamente sobre o “conceito de tempo e suas mutações no mundo contemporâneo”.

De uma forma geral, a entrevistada ressalta a questão da alienação do tempo, ou seja, “você não ser senhor do seu tempo”, o fato de você ser determinado pelo tempo das coisas e não ter controle de sua vida. Isso tudo resulta no fato de ao invés de experienciarmos o tempo de forma qualitativa, o fazemos de forma quantitativa.
Assim, esquecemos que o tempo da máquina não é o nosso tempo: em um computador a gente ouve música, digita um texto, faz um download, assiste a um vídeo, fala com alguém através de chats, manda um e-mail... a lista é quase interminável. Da mesma forma tentamos nos igualar a máquina: queremos ser o melhor profissional de nossa área, o melhor pai ou mãe, o melhor amante, o melhor amigo e no fundo não somos nem a metade disso porque já fazemos uma coisa pensando em outra, pensando em ganhar tempo.

Para o filósofo alemão Walter Benjamin, essa concepção de tempo da qual estamos falando é a do Chronos, ou seja, o tempo como uma acumulação sempre linear e indiferente. A esta, ele contrapõe uma outra que vai chamar de Kairos, tempo como intensidade e inovação que permite saber agarrar o instante decisivo da transformação possível.

Voltando à entrevista, a professora filósofa ressalta a produção de mercadorias e o consumo como fatores importantes para se entender essa questão do tempo. De que forma? Segundo ela o que move o homem é a pulsão pela novidade, é assim que “o que domina todo o imaginário, todo o ritmo da vida biológica e todo o ritmo da vida cotidiana é a produção e o consumo de mercadorias”.

Algo do tipo: a velocidade dos dias atuais está ligada ao tempo de obsolescência daquilo que consumimos. É por isso que não estranho que as pessoas tenham sempre que estar trocando de carro quase que todos os anos. Com certeza não é para cumprir a função básica de um carro, qual seja: levar alguém de um ponto a outro com mais rapidez, pois qualquer carro que ande pode fazer isso. Mas, no fundo, o que prevalece, entre outras coisas, é o consumo, o status... Coisas do capitalismo.


Voltando um pouco:


Há alguns dias atrás fui ver a apresentação de um artista local lá no Estação Ciência. Ao me aproximar do anfiteatro aonde aconteceria o show, a primeira pessoa que avisto é esse amigo do qual falei no meio do texto. Feliz coincidência!
Assistimos ao show, conversamos muito (finalmente colocamos o assunto em dia) e fiquei pensando: não fosse esse encontro ao acaso, quando iríamos nos ver? Será que da próxima vez a decisão partirá de nós ou ficará mais uma vez por conta do acaso? Mas eis que me lembro bem das ultimas palavras que pronunciei quando nos despedimos: “... a gente se bate!”.


Pra terminar:

Já que estamos no começo do ano, já que este é meu primeiro texto do ano e já que as formalidades nos impulsionam para isso, gostaria de tentar (até porque não sei se vou conseguir) começar este ano neste ritmo. Não o ritmo do qual tratei lá em cima, mas no ritmo da desaceleração, no ritmo do tempo do ócio, no tempo para os amigos, para o amor, para o trabalho também, claro e para tudo que realmente importa.
Gostaria de partilhar isso com vocês, caros amigos e leitores anônimos e que façamos disso (ou pelo menos tentemos fazer) uma prioridade neste ano que se inicia.