4.8.10
Tudo é no tempo de Deus, meu filho
“O Brasil tem 7,6 milhões de desempregados segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio...”, falava o repórter com o microfone na mão explicando, através de números, a situação brasileira e os impactos disso para a economia. O tal repórter aproveitou ainda para falar do desemprego estrutural, característicos dos países subdesenvolvidos; do desemprego conjuntural, conhecido também como desemprego cíclico; e não se esqueceu de falar do desemprego temporário, “uma forma de subemprego...”. Ruy, que ligara a televisão a pouco tempo, achou estranha aquela reportagem logo sobre esse assunto, justamente no momento em que se preparava para uma entrevista de emprego.
Aquela quinta-feira prometia ser um grande dia. Tinha recebido, há poucos instantes, uma ligação de uma empresa a qual havia deixado um currículo meses atrás. A moça simpática e de voz suave falou para ele comparecer na empresa para uma entrevista. Ruy não pensou duas vezes. Tomou rapidamente um banho e colocou a sua melhor roupa. Aparou a barba e botou seu melhor perfume. Deu uma olhada no espelho e ajeitou o cabelo para o lado com a mão. Aproveitou para tomar um café da manhã rápido, pois sabia que sair cedo sem fazer o desjejum pode causar mau hálito e ele não queria passar por esse vexame justamente naquele momento.
Enquanto comia, Ruy continuou assistindo a TV para se inteirar das notícias do dia. Depois, escovou os dentes bem escovados, passou perfume, deu uma ultima olhada no espelho e saiu esperançoso para sua entrevista de emprego. Tomou o primeiro ônibus que passou e desceu próxima a empresa a qual, pensava ele, seria o mais novo contratado. Após ser entrevistado pela moça simpática e da voz suave, ela disparou: “Seu Ruy, como o senhor sabe, nós só temos uma vaga e teremos que fazer outras entrevistas com mais candidatos para ver qual de vocês se encaixa melhor no perfil da empresa. Mas desde já lhe digo que o senhor se saiu muito bem e pode aguardar que entraremos em contato”.
Ruy voltou feliz para casa. Sentiu firmeza no que a mulher simpática e da voz suave tinha dito. Aproveitou a ocasião e ligou para sua mãe para contar o ocorrido. Como todas as mães, ela o abençoou e lhe disse: “Meu filho, entregue tudo nas mãos de Deus que vai dar certo”. Ruy se despediu dizendo amém. No outro dia, Ruy acorda com uma mensagem que acabara de chegar em seu celular e que dizia o seguinte: “Bom dia, infelizmente não foi dessa vez, mas nós agradecemos a sua atenção”. A maldita mensagem deixou Ruy em pedaços, pois ele já se via trabalhando na empresa como um funcionário exemplar e, claro, pagando suas contas atrasadas. As poucas palavras escritas na mensagem foram suficientes para afogar suas esperanças por água a baixo.
Triste, Ruy ligou novamente para sua mãe para dizer que “infelizmente não foi dessa vez”. Sua mãe, no alto de sua fé católica-apostólica-romana e candura peculiar lhe disse: “Meu filho, não fique triste, pois tudo é no tempo de Deus”. Depois de ouvir outras palavras incentivadoras, Ruy baixou o telefone pedindo a benção da mãe. Mas uma frase dita por ela ecoava em sua cabeça: “tudo é no tempo de Deus”.
Depois de ouvir esta frase, Ruy ficou ainda mais preocupado e confuso sobre a forma como Deus administra o tempo. Pensativo, com o eco das palavras de sua mãe na cabeça, começou a meditar: “se tudo é no tempo de Deus e se um dia para o senhor é como mil anos, e mil anos como um dia, como é que eu fico nessa estória?”.
Apesar de sua fé, Ruy sabia que suas necessidades materiais eram urgentes e não podiam esperar. Após o primeiro banho matinal, se arrumou e tomou novamente seu café da manhã assistindo a TV; colocou meia dúzia de currículos debaixo do braço e saiu.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
2 comentários:
Ruy é o João de Mário Quintana, que, caninha após caninha, ou no caso dele, de não em não, bebe a milenar inquietação do mundo.
É o Kairós: há tempo de plantar e tempo de colher. Enquanto isso, Ruy certamente não vai deixar de cuidar da sua safra...
Postar um comentário