19.2.07


Pequenas Histórias


nº 5


Na vitrola um disco girava sem parar. Tinha chegado ao final do lado A e o braço da agulha ficou lá no canto rasgando os sulcos do LP velho e arranhado.

O volume estava alto e se ouvia de longe o chiado provocado pelo atrito da agulha. Bati na porta mas ninguém atendeu. Depois de um tempo, percebi que estava aberta e entrei. Chamei pelas pessoas da casa e ninguém respondia e fui entrando. Estranhei aquilo tudo, parecia que não havia ninguém ali. Quem deixaria a porta de casa aberta com um som ligado assim nas alturas?

Insisti e chamei mais alto, bati palmas e até gritei. Quando já estava desistindo e virando as costas para partir, alguém aparece. Com um sorriso meio sem graça pedi desculpas e falei... Ela disse pra eu virar o outro lado do disco e me pediu pra lhe acompanhar. Tinha uma fumaça por toda parte e do quarto em que ela entrou brilhava uma luz forte. Ouvi apenas sua voz dizendo “vem!”. Num ultimo instante percebi que o som que girava na vitrola era um chiado constante que, a primeira audição, parecia chato e incomodava; mas depois, como se multiplicassem e se misturassem, ouvia-se bem uma música se formar estranhamente no ar. Nesse instante, sou engolido pela luz que sai do quarto e como se o chão e todas as paredes sumissem, caio no vazio e apago.

Voamos alto. Ninguém nos percebia. Era como se fossemos deuses, o gozo dos deuses. Bebemos da bebida proibida e fizemos tudo que não era permitido. Acima do bem e do mal; do certo e do errado; do sim e do não; do verdadeiro e do falso; do nada e de tudo... tínhamos poderes sobre o ontem, o agora e o amanhã. Éramos tanto homem como mulher, tanto filho como pai, tanto homem como animal...

Uma voz bem distante parecia chamar por alguém já há um bom tempo. Voltei. Olhei em seus olhos e pedi pra que ele virasse o outro lado do disco e que me acompanhasse. Mais uma pessoa iria se encontrar com o deus que até então estava reprimido dentro dela.

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